🤓 Aprendizagem

O Efeito do Espaçamento

date
Mar 12, 2023
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Aprendizagem
Psicologia
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Aqui apresento o Efeito do Espaçamento, que é um fenômeno psicológico que se refere à percepção de que repetições da mesma informação, em espaços temporais crescentes, tendem a produzir memórias mais sólidas do que grandes repetições em um curto espaço de tempo (aprendizagem em massa). Apresento a história desse fenômeno e apresento algumas pesquisas que indicam que a repetição espaçada é a melhor maneira de construir memórias de longo prazo, seja em adultos ou crianças, independentemente da atividade.
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🤓 Aprendizagem
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Mar 21, 2023 02:46 PM

O Efeito do Espaçamento

Quero contar a você um pouco da história de um fenômeno psicológico poderoso, que pode mudar a maneira como você aprende e estuda. Se trata do fenômeno do Efeito do Espaçamento, que gerou o famoso Sistema de Repetição Espaçada, mais conhecido na internet como Spaced Repetition System ( ou SRS). O efeito do espaçamento se refere à percepção de que repetições da mesma informação, em espaços temporais cada vez mais crescentes, tendem a produzir memórias mais sólidas do que grandes repetições em um curto espaço de tempo (aprendizagem em massa).
Não fez muito sentido ainda, tenho certeza. É um assunto que parece complicado mas, na verdade, é bem intuitivo. Se você entender a essência da formação de memórias, poderá lidar com seus estudos de uma maneira mais lógica, eficiente, e menos estressante.
Study smarter, not harder!

Memória e tempo

No século 19, o psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus queria saber como funcionava o esquecimento ao longo do tempo, e começou a pesquisar o esquecimento de maneira experimental. Vem dele também a primeira proposição de Curva de Aprendizagem.
Em seu experimento, em que ele era seu único sujeito experimental, apresentava a si mesmo diversas sílabas “sem sentido” numa sequência (ex: “BOL, DOT, GAX”) e avaliava como conseguia se lembrar delas ao longo do tempo. Daí surge a famosa curva de Ebbinghaus, ou uma curva de retenção, que nos dá um panorama de como funciona o esquecimento em termos práticos.
Curva de Ebbinghaus
Curva de Ebbinghaus
Sem revisões, a memória "decai" de maneira exponencial. Um dia após já se esqueceu de metade das sílabas. Seis dias depois, só se lembra de 1/4 delas.

Retenção e repetições

Após os seus achados, começaram a pipocar mais e mais pesquisas no campo da memória, mas sem entrar em muitos detalhes, adiantando a conversa para o final do século XX, o pesquisador polonês Piotr Wozniak, em sua tese de mestrado “Optimization of learning: A new approach and computer application”, chegou a uma sugestão de taxa de repetições.
 
Ele estava angustiado com a quantidade de informações que tinha que dar conta de não apenas memorizar, mas aprender na Universidade, e pesquisou qual seria a melhor maneira de intervalar as repetições de tal maneira a maximizar a retenção delas, e formar memórias de longo prazo. Calculou então qual seria a taxa ideal de repetições para a formação de memórias de longo prazo, que gerou também a base para seu produto de memorização. Mas o importante não é o número mágico que ele encontrou para ele mesmo, mas sim o princípio geral.
Hoje em dia, quando se fala de Sistemas de Repetição Espaçada, falamos deste gráfico:
Cada repetição altera a inclinação da curva de esquecimento
Cada repetição altera a inclinação da curva de esquecimento
Não existe o algoritmo ideal de retenção, já que depende muito da atividade, experiência prévia e outros fatores individuais, conforme aponta o artigo de revisão de pesquisas sobre este fenômeno, Spacing Repetitions Over Long Timescales: A Review and a Reconsolidation Explanation.
Aqui estão apresentados os resultados de pesquisas sobre o efeito do espaçamento nas mais diversas atividades e públicos. Mas os dados são consistentes: repetição espaçada é a melhor maneira de construir memórias de longo prazo, seja em adultos ou crianças, independente da atividade. É um artigo interessante e de fácil leitura, e cobrem atividades como arquearia, badminton, aquisição de linguagem, tocar piano, diferenciar tons musicais e até habilidades cirúrgicas.
 
Um ponto sobre aquisição de linguagem, em tradução própria do artigo:
"Diferente de atividades baseadas em habilidades, para tarefas relacionadas à linguagem o espaçamento resulta em aprendizado similar ou pior, porém maior retenção. (...) Por exemplo, Bloom e Shuell (1981) compararam um grupo espaçado que aprendia palavras francesas em 3 dias consecutivos comparados a um grupo de aprendizagem "massificada" que aprendeu todas as palavras em um mesmo dia. No teste aplicado imediatamente após o aprendizado para verificar aprendizado, o grupo espaçado e o massificado eram equivalentes, mas 0 teste de retenção 4 dias após, o desempenho do grupo espaçado foi superior ao grupo massificado; portanto, espaçamento conduziu à aprendizagem equivalente, mas melhor retenção"

Mas como isso tudo pode me ajudar na prática?

Existem várias maneiras! Seguem aqui algumas sugestões que vão de sugestões mais gerais a recomendações mais específicas:
  • Repense a forma como você retém informações novas. Você revisita conteúdos importantes já aprendidos? Mesmo após 6 ou mais meses sem ter precisado dela?
  • Apesar do estudo intenso ter o seu lugar, o estudo como hábito rotineiro é o que forma aprendizado de longo prazo.
  • Nessas sessões de estudo, dedique alguns minutos a tentar se lembrar do que foi aprendido 1 mês atrás, 6 meses atrás, um ano atrás.
  • Sugestão de ferramenta: Anki. Pretendo escrever em detalhe sobre o Anki como uma continuação para esse artigo!

Conclusão

Por que pouco se fala sobre o efeito do espaçamento? O psicólogo Frank Dempster, em 1988, escreveu:
“O efeito do espaçamento talvez seja um dos fenômenos mais notáveis produzidos em pesquisas experimentais em aprendizagem”
Na introdução do artigo publicado na American Psychologist com o título “The Spacing Effect: A Case Study in the Failure to Apply the Results of Psychological Research.” Realmente, não foi uma moda que pegou, e nenhuma revolução pedagógica decorreu destas pesquisas.
Pelo menos a repetição espaçada ainda bem em comunidades de aprendizagem de línguas, e graças a elas que tive contato com este mundo de pesquisas.
 
É uma ótima maneira de facilitar a memorização dos 2000 Kanji da língua japonesa, por exemplo. Agora você também pode usar este conhecimento ao seu favor. Por exemplo, talvez em vez de revisar tudo um dia antes da prova, para esquecer tudo dois dias depois, seja melhor dividir o que vai ser aprendido em pedaços pequenos, e revisar eles ocasionalmente. Ou quem sabe, ao aprender a tocar um instrumento, seja mais importante tocar um pouco todo dia do que longas sessões exaustivas.
 
O céu é o limite! 🚀

Referências

Ebbinghaus H. - Memory: A Contribution to Experimental Psychology - (1885). Über das Gedächtnis. New York, NY: Dover.
SMITH, C. D. and SCARF, D. Spacing Repetitions Over Long Timescales: A Review and a Reconsolidation Explanation Front Psychol. 2017; 8: 962. Published online 2017 Jun 20. doi: 10.3389/fpsyg.2017.00962
Bloom K. C., Shuell T. J. (1981). Effects of massed and distributed practice on the learning and retention of second-language vocabulary. J. Educ. Res. 74 245–248. 10.1080/00220671.1981.10885317
Wozniak, P. A. Optimization of learning: A new approach and computer application. (1990) University of Technology in Poznan